sexta-feira, 5 de outubro de 2012

O Modernismo da teoria a prática.



OFICINA DE LITERATURA


Por: Valéria Queiroz Menezes


1. TEMA: O Modernismo da teoria a prática.

2. OBJETIVOS:

2.1. Gerais: Para o entendimento e compreensão de como se deu o Modernismo no Brasil, sua perspectiva de rompimento de paradigmas e a nova proposta de uma arte voltada para o nacionalismo, para o intimismo, para a reflexão do mundo e da sociedade e suas relações com o momento histórico, político e social em que surge essa escola literária é necessário além de discutir suas características identifica-las no próprio texto viabilizando, dessa maneira, um melhor entendimento as questões propostas na prova de Literatura dos vestibulares e no ENEM.

2.2. Específicos:

- Despertar para a prática da leitura e do debate crítico das produções literárias que constitui a base para a efetiva apropriação da linguagem oral e escrita; 

- Identificar nos textos selecionados de autores das três fases que compuseram o Modernismo no Brasil sistematizando o conhecimento teórico e utilizando na prática, ou seja, na própria analise dos textos. 

- Estender os horizontes dos vestibulandos numa perspectiva de dinamizar, contribuir e melhorar, de maneira mais consciente, a sua interação com a arte e suas propostas de ver o mundo. 


3. Materiais e Métodos

3.1. Materiais:

- Esquemas teóricos utilizados nas aulas sobre o Modernismo;

- Textos fotocopiados dos autores das três fases do Modernismo;

Textos Selecionados:

Texto 01: O Poeta Come Amendoim
Autor: Mário de Andrade (1ª Fase Modernista)

Texto 02: José

Autor: Carlos Drummond de Andrade (2ª Fase Modernista)

Texto 03: Cidadezinha Qualquer

Autor: Carlos Drummond de Andrade (2ª Fase Modernista)

Texto 04: Eu não existo sem você

Autor: Vinícius de Moraes (2ª Fase Modernista)

Texto 05: Persona

Autora: Clarisse Lispector (3ª Fase Modernista)

Texto 06: Trecho de Grande Sertão Veredas

Autora: Guimarães Rosa (3ª Fase Modernista)

- Quadro branco e pinceis para quadro branco;

- TV Pen Drive

- Micro-sisten

- Textos narrados (Cd)

1. Semana da Arte Moderna, (Diálogos da minissérie “Um só coração” exibida pela Emissora Globo);

2. “O poeta come amendoim”, de Mário de Andrade, por Renata Sorrah;

3. “Cidadezinha Qualquer”, de Carlos Drummond de Andrade, por Tom Zé;

4. “José” de Carlos Drummond de Andrade, por Paulo Dinis;

5. “Eu não existo sem você” de Vinicius de Morais, por Oswaldo Montenegro;

6. “Grande Sertão Veredas” (Diálogo da Minissérie exibida na Globo em 1985)

7. “Persona” de Clarice Lispector, por Araci Balabanian


2.2. Métodos

- Primeiro momento: explicar aos vestibulandos a proposta da oficina e como serão feitas as atividades, delimitando o tempo para cada ação.

- Em segundo lugar: uma breve retomada da parte teórica trabalhada previamente na sala de aula.

- Identificar nos textos características das fases do Modernismo, partindo do referencial teórico.

- Em último momento: discussão e a conclusão da atividade.


Textos:

O Poeta Come Amendoim 


Brasil...
Mastigado na gostosura quente do amendoim...
Falado numa língua curumim 
De palavras incertas num remeleixo
melado melancólico...
Saem lentas frescas trituradas
Pelos meus dentes bons...
Molham meus beiço que dão beijos
Alastrados
E depois semitoam sem malícia as 
Rezas bem nascidas...
Brasil amado não porque seja minha
Pátria,
Pátria é a casa de migrações e do
Pão nosso onde Deus der...
Brasil que eu amo porque é ritmo do
Meu braço aventuroso
O gosto dos meus descansos
O balanço das minhas cantigas
Amores e danças.
Brasil que eu sou porque é minha
Expressão muito engraçada,
Porque é meu sentimento
Pachorrento,
Porque é meu jeito de ganhar
Dinheiro, Eu Sou Trezentos...

Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cincoenta, 
As sensações renascem de si mesmas sem repouso, 
Ôh espelhos, ôh! Pirineus! ôh caiçaras! 
Si um deus morrer, irei no Piauí buscar outro! 

Abraço no meu leito as milhores palavras, 
E os suspiros que dou são violinos alheios; 
Eu piso a terra como quem descobre a furto 
Nas esquinas, nos táxis, nas camarinhas seus próprios beijos! 

Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cincoenta, 
Mas um dia afinal eu toparei comigo... 
Tenhamos paciência, andorinhas curtas, 
Só o esquecimento é que condensa, 
E então minha alma servirá de abrigo.

JOSÉ

E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, Você?
Você que é sem nome,
que zomba dos outros,
Você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?

Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?

E agora, José?
sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio, - e agora?

Com a chave na mão 
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse,
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja do galope,
você marcha, José!
José, para onde?

                                                                  Persona
Não, não pretendo falar do filme de Bergman. Também emudeci ao sentir o dilaceramento de culpa de uma mulher que odeia seu filho, e por quem este sente um grande amor. A mudez que a mulher escolheu para viver a sua culpa: não quis falar, o que aliviaria o seu sofrimento, mas calar-se para sempre como castigo. Nem quero falar da enfermeira que, se a princípio tinha a vida assegurada pelo futuro marido e filhos, absorve no entanto a personalidade da que escolhera o silêncio, transforma-se numa mulher que não quer nada e quer tudo – e o nada o que é? e o tudo o que é? Sei, oh sei que a humanidade se extravasou desde que apareceu o primeiro homem. Sei que a mudez, se não diz nada, pelo menos não mente, enquanto as palavras dizem o que não quero dizer. Também não vou chamar Bergman de genial. Nós, sim, é que não somos geniais. Nós que não soubemos nos apossar da única coisa completa que nos é dada ao nascimento: o gênio da vida. 

Vou falar da palavra pessoa, que persona lembra. Acho que aprendi o que vou contar com meu pai. Quando elogiavam demais alguém, ele resumia sóbrio e calmo: é, ele é uma pessoa. Até hoje digo, como se fosse o máximo que se pode dizer de alguém que venceu numa luta, e digo com o coração orgulhoso de pertencer à humanidade: ele, ele é um homem. Obrigada por ter desde cedo me ensinado a distinguir entre os que realmente nascem, vivem e morrem, daqueles que, como gente, não são pessoas. 

Persona. Tenho pouca memória, por isso já não sei se era no antigo teatro grego que os atores, antes de entrar em cena, pregavam ao rosto uma máscara que representava pela expressão o que o papel de cada um deles iria exprimir. 

Bem sei que uma das qualidades de um ator está nas mutações sensíveis de seu rosto, e que a máscara as esconde. Por que então me agrada tanto a idéia de atores entrarem no palco sem rosto próprio? Quem sabe , eu acho que a máscara é um dar-se tão importante quanto o dar-se pela dor do rosto. Inclusive os adolescentes, estes que são puro rosto, à medida que vão vivendo fabricam a própria máscara. E com muita dor. Porque saber que de então em diante se vai passar a representar um papel é uma surpresa amedrontadora. É a liberdade horrível de não ser. E a hora da escolha. 

Mesmo sem ser atriz nem ter pertencido ao teatro grego – uso uma máscara. Aquela mesma que nos partos de adolescência se escolhe para não se ficar desnudo para o resto da luta. Não, não é que se faça mal em deixar o próprio rosto exposto à sensibilidade. Mas é que esse rosto que estava nu poderia, ao ferir-se, fechar-se sozinho em súbita máscara involuntária e terrível. É, pois, menos perigoso escolher sozinho ser uma pessoa. Escolher a própria máscara é o primeiro gesto voluntário humano. E solitário. Mas quando enfim se afivela a máscara daquilo que se escolheu para representar-se e representar o mundo, o corpo ganha uma nova firmeza, a cabeça ergue-se altiva como a de quem superou um obstáculo. A pessoa é. 

Se bem que pode acontecer uma coisa que me humilha contar. 

É que depois de anos de verdadeiro sucesso com a máscara, de repente – ah, menos que de repente, por causa de um olhar passageiro ou uma palavra ouvida – de repente a máscara de guerra de vida cresta-se toda no rosto como lama seca, e os pedaços irregulares caem como um ruído oco no chão. Eis o rosto agora nu, maduro, sensível quando já não era mais para ser. E ele chora em silêncio para não morrer. Pois nessa certeza sou implacável: este ser morrerá. A menos que renasça até que dele se possa dizer “esta é uma pessoa”. Como pessoa teve que passar pelo caminho de Cristo. 

Trecho de Grande Sertão Veredas

"O senhor... Mire veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas - mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam. Verdade maior. É o que a vida me ensinou. Isso me alegra, montão."
(p.20)

"Eu queria decifrar as coisas que são importantes.E estou contando não é uma vida de sertanejo, seja se for jagunço, mas a matéria vertente. Queria entender do medo e da coragem, e da gã que empurra a gente para fazer tantos atos, dar corpo ao suceder. O que induz a gente para más ações estranhas, é que a gente está pertinho do que é nosso, por direito, e não sabe, não sabe, não sabe!" (p. 74)




Cidadezinha Qualquer 


Casas entre bananeiras 
mulheres entre laranjeiras 
pomar amor cantar 

Um homem vai devagar. 
Um cachorro vai devagar. 
Um burro vai devagar. 

Devagar . . . as janelas se olham. 

Eta vida besta, meu Deus.




Fontes:

ANDRADE, Mário. O poeta como Amendoim. Disponível em: http://www.klickescritores.com.br/pag_imortais/marioandrade_obra.ht

Carlos Drummond, de Andrade: JOSÉ E agora, José? 



Morais, Vinicius. Eu não existo sem você. Disponível em: <http://pensador.uol.com.br/autor/vinicius_de_moraes/

ROSA, Guimarães. Grandes Sertão Veredas. Disponível em:  
< http://chicagrauna.blogspot.com/2009/02/coracao-da-gente-o-escuro-escuros.html>

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

A caverna de José Saramago


O autor

José de Sousa Saramago nasceu em 1922, em Azinhaga, aldeia ao sul de Portugal, numa família de camponeses.

Autodidata, antes de se dedicar exclusivamente à literatura trabalhou como serralheiro, mecânico, desenhista industrial e gerente de produção numa editora.

Iniciou sua atividade literária em 1947, com o romance Terra do Pecado, só voltando a publicar (um livro de poemas) em 1966.


Atuou como crítico literário em revistas e trabalhou no Diário de Lisboa. Em 1975, tornou-se diretor-adjunto do jornal Diário de Notícias. Acuado pela ditadura de Salazar, a partir de 1976 passou a viver de seus escritos, inicialmente como tradutor, depois como autor.


Em 1980, alcança notoriedade com o livro Levantado do Chão, visto hoje como seu primeiro grande romance. Memorial do Convento confirmaria esse sucesso dois anos depois.

Em 1991, publica O Evangelho Segundo Jesus Cristo, livro censurado pelo governo português - o que leva Saramago a exilar-se em Lanzarote, nas Ilhas Canárias (Espanha), onde viveu até a morte. Foi ele o primeiro autor de língua portuguesa a receber o Prêmio Nobel de Literatura, em 1998.

Entre seus outros livros estão os romances O Ano da Morte de Ricardo Reis (1984), A Jangada de Pedra (1986), Ensaio sobre a Cegueira (1995), Todos os Nomes (1997), e O Homem Duplicado (2002); a peça teatral In Nomine Dei (1993) e os dois volumes de diários recolhidos nos Cadernos de Lanzarote (1994-7).
Morreu em 18 de junho de 2010, em Lanzarote, Espanha.

A CAVERNA DE SARAMAGO
POR: VALÉRIA QUEIROZ E BÁRBARA PAIXÃO

Resumo d’ A caverna, de José Saramago

            Cipriano Algor, protagonista d’A caverna,de José Saramago, viveu com sua família, durante algum tempo, da fabricação de utensílios domésticos de barro fornecidos ao Centro. A certa altura, porém, foi informado de que os seus produtos tinham sido preteridos pelos de plástico, mais atraentes para os consumidores do comércio local.
            O oleiro recusa a idéia de viver às custas da filha, Marta, e do genro, Marçal Gacho. Ao mesmo tempo, não tem como sobreviver com seu próprio trabalho e nem condições para realizar   seu desejo de unir-se a Isaura. Essa situação leva-o à depressão.
Para reanimar o pai, numa tentativa de que Cipriano se mantenha no mercado do Centro de Compras, Marta sugere que ele se dedique à fabricação de estatuetas e ajuda-o nesta nova empresa. Inicialmente o empreendimento é bem sucedido, mas, pouco depois, o resultado de uma pesquisa, realizada para saber do interesse dos consumidores pelos produtos,  frustra os esforços do artesão e de seus familiares.
Marçal é promovido, como desejava, a guarda residente e muda-se para o Centro com Marta. Sem ter como sobreviver, contra a sua vontade, Algor acompanha o casal e vai viver também no local em que, antes, só entrava,  pelos fundos, como fornecedor, ou como eventual consumidor, que sabe exatamente o que quer e onde adquirir. Sem ter com que se ocupar e com liberdade de trânsito, Cipriano passa a percorrer e a conhecer o lugar e suas atrações. Nas suas andanças, descobre, numa das galerias, os seis corpos humanos, em condições que lembram as figuras descritas por Platão n’ A república, encontrados por ocasião das  escavações para ampliação das instalações do Centro, mantidos em segredo. Sob o efeito  do choque, o oleiro desiste de morar lá. Seu genro e sua filha acompanham-no em sua decisão. Os três na companhia de Isaura e do cão Achado partem  em busca de um novo espaço para recomeçarem suas vidas.


RESUMO DA ANÁLISE


Propomos ao longo desse trabalho abordar alguns pontos relevantes do romance A Caverna do escritor português José Saramago tais como: os principais aspectos do contexto histórico cultural focalizado no romance e no contexto em que foi publicado. Comentar a estrutura da narrativa, destacando o intertexto com o mito da caverna de Platão bem como abordar como se desenvolve no texto a problematização da história e da representação literária, apresentando os principais aspectos que são implicados no processo de globalização, definindo esse conceito e demonstrando a perspectiva critica do autor a cerca desse fenômeno. Ao abordar esses pontos discutiremos como o autor metaforiza a criação literária e o aproxima de questões que afligem as pessoas na contemporaneidade, a partir da história de uma família de oleiros, que vê sua tradição e sustento engolidos por um grande centro comercial.

Palavras-chave: literatura, mito da caverna, globalização.

A Caverna de Saramago 

"A globalização é um totalitarismo. Totalitarismo que não precisa nem de camisas verdes, nem castanhas, nem suásticas. São os ricos que governam e os pobres vivem como podem." (José Saramago) 

Fonte: Disponível em:< http://www.citador.pt> 


A Caverna do e escritor José Saramago foi publicada no ano de 2000. A obra discute o impacto social provocado por um grande centro comercial e o faz a partir da história de uma tradicional família de oleiros, que sobrevive da fabricação de utensílios domésticos de barro fornecidos ao Centro. Certo dia, porém, foram informados por um mensageiro desse grande centro, de que seus produtos não atendiam mais as demandas dos consumidores, que preferiam a praticidade dos utensílios de plástico.

Quando o Centro deixa de comprar as peças de barro, decreta a morte da Olaria, assim, Cipriano, o patriarca dessa família, não tem mais como sobreviver com seu trabalho e nem tão pouco condições de casar-se novamente, ver-se obrigado a deixar sua casa e ir morar com sua filha e seu genro, recém-promovido à guarda residente do Centro. O oleiro passa a viver nesse mundo totalmente artificial, tenta encontrar, sem êxito, uma forma de pertencimento. Sua filha Isaura, com o objetivo de reanimar seu pai, sugere que ele fabrique estatuetas, porém, o resultado de uma pesquisa de interesse dos consumidores pelos produtos frustra totalmente a família do artesão. Cipriano, sem ter com o que ocupar-se passa a percorrer esse novo mundo. Em suas andanças, descobre numa das galerias seis corpos humanos encontrados por ocasião das escavações para ampliação das instalações do Centro, perplexo, o oleiro desiste de morar lá, sua filha e seu genro assim como Isaura e o cão Achado, deixado para trás por não poder viver no Centro, partem em busca de um novo espaço para recomeçarem suas vidas.

A literatura, que tem compromisso com as questões sociais, possui a característica de revelar a verdade através de uma ótica popular, assim, o processo histórico de um país pode ser discutido dentro de um romance através de personagens fictícios os quais levam o leitor a refletir questões que afligem o ambiente social a qual ele está inserido.

Saramago utiliza a luta pela sobrevivência de uma tradicional família de oleiros, que se ver impotente em relação a uma nova ordem de mercado, para metaforizar a sociedade portuguesa contemporânea.

                                                            ... mercadorias que interessam e deixaram de interessar é uma rotina                quase diária no centro... para eles a coisa é simples, ou o produto interessa, ou o produto não interessa, o resto é indiferente, para eles não há meio termo. (SARAMAGO: 2001,65) 

O Centro comercial não leva em conta a tradição e nem os valores, as pessoas são levadas pela crença dos grandes benefícios que este pode proporcionar. O consumo reflete não apenas o desejo de atender uma necessidade, mas a noção de pertencimento, vendida pela globalização. “A organização do Centro fora concebida e montada segundo modelo de estrita compartimentação das diversas actividades e funções.” (SARAMAGO:2001, 39). O autor discute a noção de identidade no contexto da Globalização, contrapõe dois pensamentos: a da família de Algor, que não se adapta a essa nova forma de viver e a família de Marçal, que vê no Centro a possibilidade de uma velhice segura.

.
Marta disse: Estas pessoas não vêem a luz do dia quando estão em casa. As que moram nos apartamentos voltados para o interior do Centro também não... praticamente enclausurados... sem a luz do sol, a respirar ar enlatado todo dia. (SARAMAGO:2001, 278/279) 


O capitalismo é um sistema econômico baseado no bem privado dos meios de produção, na organização da produção, no trabalho assalariado e no funcionamento de um sistema de preços, cujo principal objetivo é o lucro. Em A Caverna o Centro é a representação desse sistema, retratado como algo “soberano”. “Qualquer caminho que se tome vai dar ao Centro.” (SARAMAGO. 2000. 275). O discurso do Centro consiste no interesse voltado pra aquilo que tem função útil e lucrativa para o mercado.

Segundo Linda Hutcheon (Poética do pós-modernismo. 1991. 236), o poder não é uma instituição muito menos uma estrutura. Trata-se de um processo, ela considera que os ideais pós-modernistas “invertem as classificações de poder descritas por Foucault”. A arte pós-moderna possui um discurso duplicado, afirma Hutcheon, nessa perspectiva, a arte pós-moderna critica o poder a partir dele mesmo sem deixar de estar inserido no processo. Em A Caverna, essas relações são analisadas, portanto, de duas maneiras: Os personagens refutam as formas do poder ao mesmo tempo admitem sua força.

(...) Na verdade senhor, não sei por que gasta seu precioso tempo a falar desses assuntos com um oleiro sem importância, (...) E eu estou em baixo, não fui eu quem o pôs, mas está, ao menos ainda tenho essa utilidade. (SARAMAGO. 2001. 130) 

Para demonstrar como a construção da sociedade parte do seu viés histórico, achamos relevante fazer uma retrospectiva a cerca dos acontecimentos, que levaram a culminância da Globalização. Partimos da Guerra Fria, onde o cenário mundial estruturava-se em torno das grandes potencias termonucleares. O ocidente organizava-se em torno do poder hegemônico dos Estados Unidos, cuja liderança militar contracenava com seu poderio econômico. A dissolução do bloco soviético, com o fim da Guerra Fria, descortinou novas realidades que vai prefigurar o novo século. O poder mundial tende a se concentrar em macro áreas do hemisfério norte que vai aglutinar riquezas e inovações tecnológicas, dessa maneira o poder mundial faz com que surjam blocos econômicos regionais, como a União Europeia, o Nafta e a Bacia do Pacífico. Surge assim uma nova ordem mundial cuja forma de poder era econômico, tecnológico e comercial, estabelecendo duas grandes oposições de um lado os países do Norte ricos e de outro os países pobres do Sul, os Estados Unidos o Japão e a Alemanha se destacam no cenário mundial como grandes potências econômicas, o Neoliberalismo e o Neocolonialismo separatista são revigorados. O mercado tende para regionalização e a Globalização, isso gera problemas imediatos como: xenofobia, racismo, fundamentalismo, monopólio tecnológico com instrumentos de dominação dos países do norte, narcotráfico e fome. O Neoliberalismo se consolida como uma forma possível de doutrina em países capital que consiste na supressão de livre concorrência, determinada pela formação dos monopólios, oligopólios, até de intervenção do Estado na economia. Para os neoliberais os mecanismos de mercado são capazes de organizar a vida econômica, política e social, desde de que sob a ação disciplinadora do Estado. Na prática do neoliberal há uma redução dos gastos públicos em educação, saúde e habitação, enfim, na seguridade social. A nova ordem mundial é marcada não tão somente pelo poderio bélico, mas também pelo poder econômico, essas relações estão mais intensas, e são estruturadas sobre os megablocos econômicos e geopolíticos. A globalização surge como um fenômeno espontâneo decorrente da evolução do mercado capitalista não direcionado por uma única entidade ou pessoa, possui várias linhas teóricas que tentam explicar sua origem e seu impacto no mundo atual. Segundo Giovanneti (Dicionário de Geografia. p. 93-4) a Globalização consiste:

Processo acentuado nas últimas décadas do século pela aceleração e padronização dos meios técnicos, a instantaneidade da informação e da comunicação e a mundialização da economia, e que promove a reorganização e reestruturação dos espaços nacionais e regionais, em escala mundial, a partir do controle e regulamentação dos centros hegemônicos. Para Milton Santos, essa globalização cria, como nunca ocorreu no passado, um meio técnico científico e informacional em contraposição ao meio natural; promove a transformação dos territórios nacionais em espaços nacionais da economia internacional; intensifica a especialização e a divisão social e territorial do trabalho; concentra e aumenta a produção em unidades menores, entre outros aspectos. O enfraquecimento dos Estados nacionais e o acirramento da tensão entre o local e o global, com o avanço da globalização, também é apontado pelo autor citado.

Fernando Alcoforado (Globalização, 1997, p.74) declara que o processo de globalização é uma consequência natural do desenvolvimento do capitalismo que nasceu nas entranhas do feudalismo nas cidades medievais e se expandiu, progressivamente, constituindo mercados e Estado nacionais a partir do século XV. O estágio de globalização do capital se iniciou também nessa época com as correntes de comércio que vários países europeus mantinham com o Oriente e a partir da descoberta da América por Cristóvão Colombo.

Saramago, em uma visita a Montevidéu para a divulgação de “A Caverna” declara que a globalização “É uma nova forma de totalitarismo e o pior é que não temos ideias que opor a isso; não reagimos ante o que está se passando”.

Representação Literária

No romance A Caverna a representação literária utilizada por José Saramago está envolvida por metáforas, seu estilo próprio de pontuação, a utilização de metalinguagem e intertextualidade. Como pode ser visto no fragmento abaixo:

[...] demos por terminada a nossa relação comercial, é muito simples, como vê, Sim senhor, é muito simples, oxalá estes bonecos de agora não venham a ter a mesma sorte, Tê-la-ão mais tarde ou mais cedo, como tudo na vida, o que deixou de ter serventia deita-se fora, incluindo as pessoas [...] (SARAMAGO, 2000, p. 38) 

Pode ser destacada a questão do tempo, o qual não é determinado representando apenas o período pós-moderno. Essa característica torna o romance atual, adequando se a qualquer geração em que o capitalismo esteja vigente. O espaço físico apesar de estar descrito de forma minuciosa não é determinado podendo se adequar a qualquer cidade industrializada.

O romance é entrelaçado por outros textos os quais dão a obra o valor necessário para se destacar na literatura, entre eles pode se citar a bíblia e a caverna de Platão. Esse último vem a ser o que dá sustentação á narrativa, pois aparece desde o título. O autor faz uma comparação da caverna de Platão como sendo o shopping Center onde as pessoas são induzidas a pensar que dentro dele todos têm o mesmo direito, porém a realidade fora dele é totalmente adversa, em que a desigualdade social e a falta de alternativa para aqueles que não têm oportunidade torna esse sistema autoritário.

Problematização da história

O romance tem sua problematização centrada em três pontos principais, sendo estes: substituição de produtos, novos produtos e a mudança para o cento.

[...] pode dizer-me o que é que fez que as vendas tivessem baixado tanto, Acho que foi o aparecimento ai de umas louças de plásticos a imitar o barro, imitando-no tão bem que parecem autênticas com a vantagem de que pesam muito menos e são muito mais baratas, [...] não quero afligi-lo, mas creio que a partir de agora a sua louça só interessará a colecionadores e esses são cada vez menos. (SARAMAGO, 2000, p. 05) 

Conforme se pode inferir da citação retro, as vantagens oferecidas pelos produtos de plástico deram margem ao Centro não mais adquirir aqueles produtos fabricados pela família Algor. Os Algors agora se viam em apuros, pois esses tinham um contrato de exclusividade com o Centro, que adquiriu apenas metade de sua produção e pediu para que o oleiro levasse de volta parte de sua mercadoria que ainda estava no estoque do Centro.

É possível perceber uma noção de que as coisas são descartáveis, enquanto não aparece algo melhor o que temos serve, se surgir algo melhor a primeira já perde o valor. No caso do romance, não só as coisas foram descartáveis mais sim as pessoas também, pois o Centro descartou em um primeiro plano as relações comerciais com Cipriano.

Para que continuasse a manter relações comerciais com o Centro, Cipriano viu-se obrigado a fabricar novos produtos e sob a orientação da filha poram-se a fabricar bonecos. Os novos objetos a serem fabricados exigiram dos Algors estratégias diferentes das antigas, mas apesar de todo o trabalho com a aquisição de novas formas e materiais necessários a fabricação dos bonecos, o Centro não se dispôs a adquirir na sua totalidade os bonecos anteriormente encomendados, tendo como alegação a falta de aceitação por parte dos clientes.

Com a rejeição dos produtos fabricados por Cipriano e a promoção a guarda residente do seu genro, os Algors mudaram-se para o Centro e Cipriano achou-se agora desempregado e em um novo lugar que apesar de estar ali ele não fazia parte do Centro.

[...] O Centro é todo seu, foi lhe posto uma bandeja de som e luz, pode vaguear por ele tanto quanto lhe apeteça, regalar-se de música fácil e de vozes convidativas. [...] Além de novas galerias, lojas, escadas rolantes, ponto de encontro, cafés e restaurantes. (SARAMAGO, 2000, p. 93) 

Em virtude do tempo livre e das atrações convidativas que estavam ao seu dispor no Centro, Cipriano Algor gastava seus dias a vaguear em meio a todas aquelas atrações e mesmo sem notar cada um de seus passos eram vigiados e o menor descuido era motivo de questionamentos por parte daqueles que estavam sempre a vigiar aquele ambiente. Tal vigilância faz nos lembrar a Alegoria do Panóptico, dando-nos a idéia de que todos estamos a ser vigiados, porém não sabemos por quem, tal vigilância tenta estabelecer uma ordem ao definir que o ser humano porta-se com mais destreza ao perceber que está sendo observado.

No seu “tipo ideal”, o Panóptico não permitiria qualquer espaço privado; pelo menos nenhum espaço privado opaco, nenhum sem supervisão ou, pior ainda, não passível de supervisão. (Bauman, 1999, p. 56)

Diversos são os ambientes em que podemos observar as placas “sorria você está sendo filmado”, sem ao menos sabermos por quem estamos sendo filmados ou se realmente há alguém a observar. Cipriano Algor tinha sido absorvido pelo fenômeno chamado globalização, assim como podemos inferir da citação abaixo:

A globalização está na ordem do dia; uma palavra da moda que se transforma rapidamente em um lema, uma encantação mágica, uma senha capaz de abrir as portas de todos os mistérios presente e futuros... “Globalização” é o destino irremediável do mundo, um processo irreversível ; é também um processo que nos afeta a todos na mesma medida e da mesma maneira. Estamos todos sendo globalizados. (BAUMAN, 1999, p. 07)

Na vida de Cipriano, os efeitos da globalização o fizeram um desempregado, excluído do mercado consumidor, sendo apenas mais um em meio a todos aqueles que também andavam pelo Centro, mas não tinham o poder aquisitivo em mãos para tornarem-se consumidores e não meramente expectadores. Esse estado de dificuldade deu-se desde que o Centro dispensou seus produtos até a luta dos Algors para a fabricação dos novos, pois como ele poderia competir de igual para com as grandes fábricas, equipadas com maquinários apropriados para a produção em série, toda uma estrutura capaz de suportar grandes encomendas, já o oleiro não dispunha de estrutura adequada para competir com os fabricantes dos tais pratos de plásticos, além da mão de obra reduzida, só podendo contar com o próprio Cipriano, a filha e o genro a cada dez dias, mediante toda essa desvantagem os Algors foram vencidos pela estrutura globalizada.

Perspectiva crítica do autor

Com essa estrutura o autor alcança o propósito de discutir a questão da globalização e os impactos que causa na sociedade. Entre muitos temas que são discutidos no romance um deles é a questão dos excluídos levando em consideração as oportunidades que esse modelo de sociedade oferece a cada individuo. Como pode ser visto na falta de opção da família Algor quando se viram obrigados a mudar para o centro. No Centro eles são assediados pela mídia e pela propaganda para que comprem e participem do sistema que movimenta a sociedade de consumo como pode ser visto no trecho abaixo.

Na fachada do centro, por cima das suas cabeças, um novo e gigantesco cartaz proclamava, VENDER-LHE-IAMOS TUDO O QUANTO VOCÊ NECESSITASE SE NÃ PREFERISSEMO OS QUE VOCÊ PRECISASSE DO QUE TEMOS PARA VENDER-LHE. (SARAMAGO, 2000, p. 84) 

Na mudança para o centro encontra se também a discussão sobre o lugar ao qual se pertence e ao qual se está fazendo parte. O sentimento de pertencer a um determinado local é representado no personagem de Cipriano Algo que sente se perdido dentro do Centro, não somente devido as variedade de atrações que se encontra, como também por seu intimo, seus pensamentos e sua vida futura que não está naquele lugar em que está o seu corpo. Para a família Algor não pertencer a lugar algum era totalmente fora de lógica. Esse sentimento é uma das características que determina a globalização e segundo BAUMAN (1988, p. 92):

Nesse mundo, todos os habitantes são nômades, mas nômades que perambulam a fim de se fixar. Além da curva, existe, deve existir, tem de existir uma terra hospitaleira em que se fixar, mas depois de cada curva surgem novas curvas, com novas frustrações e novas esperanças ainda não destrocadas.

Então a família Algor representa todo àquele que se sente perdido dentro de um sistema globalizado. Sistema esse que não há fronteira para os meios de comunicação, nem para o capitalismo, que até mesmo o homem se tornou mercadoria. No romance o autor apresenta uma saída para essa realidade; com a fuga de Cipriano Algor do Centro para ir viver seu romance com Isaura, então a esperança de saída pode ser encontrada naquilo que se ama e quem sabe encontra-se um lugar seguro e aconchegante para se viver feliz e satisfeito, mesmo que não tenha dinheiro para se comprar tudo que queira e nem se tenha certeza de como vai ser o amanhã ou as gerações futuras.


FONTES BIBLIOGRÁFICAS

ALCOFORADO, Fernando. Globalização. São Paulo: Nobel, 1997.

ANDRADE, Marcos José de. CARNEIRO, Osvaldo Eduardo Teixeira. LEAL, Sônia Guedes do Nascimento . LOPES, Dulcinéia Aparecida. AS “CAVERNAS” DE PLATÃO, TRUMAN E DE SARAMAGO SOB A ÓTICA DA HIPER-REALIDADE PARA JEAN BAUDRILLARD NO MUNDO PÓS-MODERNO. Disponível em: http://www.inicepg.univap.br/cd/INIC_2006/inic/inic/08/INIC0000153_ok.pdf. 2010.

AQUINO, Cássio Adriano Braz de. MIRANDA, Luciana Lobo. XAVIER, Monalisa Pontes. A caverna: um retrato literário da inserção do sujeito no emergente modelo de produção moderno. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/pc/v22n2/09.pdf, Psic. Clin., Vol. 22. Rio de Janeiro. 2010.

BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo. Rio de Janeiro: Elfos, Lisboa: Edições 70, 1995.

BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as consequências humanas. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1999.

BAUMAN, Zygmunt. . O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro, RJ: Zahar, 1998.

COIMBRA, Marcos. A Globalização e seus Efeitos. Vila em Foco. Disponível em: http://www.brasilsoberano.com.br/artigos/aglobalizacaoeseusefeitos.htm, ago. 2001.

GIOVANNETI, Lacerda; LACERDA, Madalena. Melhoramentos Dicionário de Geografia. São Paulo: Melhoramentos, 2000.

José Saramago diz que "globalização é nova forma de totalitarismo" da France Presse, em Madri. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u8857.shtml> Acesso em: 29/06/2011.

SARAMAGO, José. A caverna. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.












Teoria Literária: O Formalismo Russo



Por: Valéria Queiroz Menezes

Só como fenômeno estético a existência e o
mundo aparecem eternamente justificados.

O Formalismo Russo foi uma escola de crítica literária da Rússia de 1910 até 1930. Dela fazem parte acadêmicos russos e soviéticos, tais como, Vítor Sklovski, Yuri Tynyanov, Boris Eichenbaum, Roman Jakobson e Gregory Vinokut. Caracterizado por enfatizar o papel funcional dos dispositivos literários e sua concepção de história literária, defenderam um método científico para estudar a linguagem poética excluindo assim, abordagens psicológicas e histórico-culturais. Possuía dois princípios: a literatura por ela mesma, os fatos literários devem ser priorizados sobre os compromissos metafísicos da crítica literária. Distinguiram linguagem poética de linguagem prática para os formalistas as qualidades emocionais de uma obra literária são secundárias, as combinações lingüísticas adquirem valor nelas mesmo. Assim, rompe com a estética, a ciência do belo e a filosofia. As principais noções do Formalismo são: a noção de estranhamento, isto é, a desautomatização que a obra causa e a literalidade, que constitui no fato o qual garante a literatura como ela é. Os formalistas propuseram em forma de arte, uma própria renovação no estudo do signo, tentaram entender dentro do texto como ele foi construído de um ponto de vista fonético e fonológico não levando em conta o contexto. A recepção do Formalismo Russo na Europa aconteceu quarenta anos depois dos formalistas iniciarem seus estudos.
            O New Criticism refere-se invariavelmente aos nomes e aos trabalhos dos críticos americanos John Growe Ranson, Willian K. Wimsatt, Cleanth Penn Warren e ao do filósofo Monroe Beardsley, os quais escreveram as suas obras mais influentes durante as décadas de 40 e 50. A designação surgiu a partir do título de uma das obras de John Growe Ranson, publicada em 1941.
            Segundo o New Criticism uma das qualidades da poesia é a tensão, Brooks ressalta o que se deve destacar no texto: tensões, paradoxos, ambivalências, ironia. A inversão associada à linguagem afetiva. Segundo os críticos essa massificação propõe a falácia da comunicação, e esta se dá de duas maneiras: intencional que constitui um erro da crítica literária que apenas aprecia uma obra de arte em função da intenção originais do autor e a afetiva, isto é, quando se produz juízos críticos condicionados por valores afetivos. Deve-se segundo os New Criticism, buscar a inferência e o porquê da relação entre o ritmo e a proposta temática, alcançar a abstração.
            Quando melhor for a relação do tema com a estrutura do texto, desvio, estranhamento, a in-tesão, isto é, tensão interna do poema melhor será a obra de arte. A poesia, nesta perspectiva, produz a morte semântica dando lugar ao estudo da forma.
            O Estruturalismo é uma corrente de pensamento nas ciências humanas que se inspirou no modelo da Lingüística e que apreende a realidade social como um conjunto formal de relações. O termo “estruturalismo” origina-se no Cóurs de Linguiste Génerale de Ferdinand de Saussure.
            Surge como uma forma de reação contra o estudo genético da literatura e contra abordagens extrínsecas aparece como uma afirmação imanentista em crítica literária. O objeto constitui, segundo os estruturalistas, um sistema de relações, um todo. O Estruturalismo cria um método ou análise formal de um objeto.
            Roman Jakobson escreveu uma das mais relevantes considerações da postura formalista, a qual define poesia como linguagem em sua função estética. Desse modo, o objeto de estudo literário não era a literatura, mas a literalidade, ou seja, aquilo que torna determinada obra uma obra literária. Da mesma forma que os formalistas não admitiam nenhuma informação que fosse extra textual assim os fizeram os News Criticism que não admitiam nenhuma outra informação além da contida no texto, a crítica estruturalista foi influenciado pelo Formalismo Russo distinguia-se por analisar as obras literárias por meio da ciência dos signos, isto é a relação subjacente dos elementos.
Pode-se concluir, que tanto o Formalismo, quanto o New Criticism e o Estruturalismo buscavam uma análise do objeto por ele mesmo, a subjetividade, fatos históricos etc. não interferiam na formação do belo a arte era analisada por ela mesma.

           A obra a seguir, Família, é de autoria de Pablo Picasso, principal expoente do Cubismo, movimento artístico que ocorreu entre 1907 e 1914. Movimento Vanguardista que influenciara correntes literárias na Europa. O cubismo tratava as formas da natureza por meio de figuras geométricas, representando as partes de um objeto no mesmo plano. A representação do mundo passava a não ter nenhum compromisso com a aparência real das coisas, dessa forma sugere a estrutura dos corpos, dessa forma sugere a estrutura dos corpos ou objetos. Privilegia a forma. Os elementos eram decompostos em partes, dessa maneira o artista registra todos os elementos em planos sucessivos e superpostos, esta fragmentação foi tão grande que aos poucos se tornou impossível o reconhecimento de qualquer figura nas pinturas cubistas. Reagindo a essa fragmentação e tentando rejeitar  a destruição da estrutura, o Cubismo sintético procura tornar as figuras novamente reconhecíveis, introduz como numa colagem, letras, palavras, etc. intencionando ultrapassar os limites das sensações visuais.
           O Cubismo foi um movimento vanguardista que influenciou a crítica literária. É possível afirmar que o New Criticism, movimento da teoria literária, surgido nos anos 20 nos Estados Unidos, possuía princípios que perpassava por ideais cubistas. Ele propõe, assim com os cubistas, separação do objeto artístico do autor rompendo com o biografismo, rejeita os contextos sociais ou culturais, privilegia a análise do objeto em si.
         É possível também afirmar que tanto o Estruturalismo quanto o Formalismo Russo adotaram preceitos cubistas, na medida que podemos afirmar que a forma era privilegiada em detrimento ao contexto. A obra de arte se constituía como tal a partir do momento em que provocasse a desautomatização. Desse modo a obra de arte assim como a obra literária era considerada em sua função estética, o belo por si mesmo. A obra de arte deveria se afastar de quaisquer aspectos que não fosse centrado nela. Assim, era um fato material plausível de análise como diria os Formalistas.





Florbela Espanca




                                                                                                       Florbela Espanca

Escreve-me! Ainda que seja só
Uma palavra, uma palavra apenas,
Suave como o teu nome e casta
Como um perfume casto d'açucenas!



Escreve-me!  Há tanto,há tanto tempo
Que te não vejo, amor! Meu coração
Morreu já,e no mundo aos pobres mortos
Ninguém nega uma frase d'oração!



"Amo-te! "Cinco letras pequeninas,
Folhas leves e tenras de boninas,
Um poema d'amor e felicidade!



Não queres mandar-me esta palavra apenas?
Olha, manda então...brandas...serenas...

Cinco pétalas roxas de saudade...


BIOGRAFIA


Florbela Espanca (Vila Viçosa, 8 de Dezembro de 1894 - Matosinhos, 8 de Dezembro de 1930), batizada com o nome Flor Bela de Alma da Conceição Espanca, foi uma poetisa portuguesa.

Filha de Antónia da Conceição Lobo, empregada de João Maria Espanca, que não a reconheceu como filha. Porém com a morte de Antónia em 1908, João e sua mulher Maria Espanca criaram a menina. O pai só reconheceria a paternidade muitos anos após a morte de Florbela.

Em 1903 Florbela Espanca escreveu o primeiro poema de que temos conhecimento, A Vida e a Morte. Casou-se no dia de seu aniversário em 1913, com Alberto Moutinho. Concluiu um curso de Letras em 1917, inscrevendo-se a seguir no curso de Direito, sendo a primeira mulher a frequentar este curso na Universidade de Lisboa.

Sofreu um aborto involuntário em 1919, ano em que publicaria o Livro de Mágoas. É nessa época que Florbela começa a apresentar sintomas mais sérios de desequilíbrio mental. Em 1921 separou-se de Alberto Moutinho, passando a encarar o preconceito social decorrente disso. No ano seguinte casou-se pela segunda vez, com António Guimarães.

O Livro de Soror Saudade é publicado em 1923. Florbela sofreu novo aborto, e seu marido pediu o divórcio. Em 1925 casou-se pela terceira vez, com Mário Laje. A morte do irmão, Apeles (num acidente de avião), abala-a gravemente e inspira-a para a escrita de As Máscaras do Destino.

Tentou o suicídio por duas vezes em outubro e novembro de 1930, às vésperas da publicação de sua obra-prima, Charneca em Flor. Após o diagnóstico de um edema pulmonar, suicida-se no dia do seu aniversário, 8 de Dezembro de 1930, utilizando uma dose elevada de veronal. Charneca em Flor viria a ser publicado em Janeiro de 1931.

Precursora do movimento feminista em Portugal, teve uma vida tumultuada, inquieta, transformando seus sofrimentos íntimos em poesia da mais alta qualidade, carregada de erotização e feminilidade.



BIBLIOGRAFIA


* Livro de Mágoas, Lisboa, Tipografia Maurício, 1919.

* Livro de Mágoas Sóror Saudade, Lisboa, Tipografia A Americana, 1923.

* Charneca em Flor, Coimbra, Livraria Gonçalves, 1931.

* Charneca em Flor (com 28 sonetos inéditos), Coimbra, Livraria G
onçalves, 1931.

* Cartas de Florbela Espanca, (a Dona Júlia Alves e a Guido Battelli), Coimbra, Livraria Gonçalves, 1931.

* As Máscaras do Destino, Porto, Editora Maranus, 1931.

* Sonetos Completos, (Livro de Mágoas, Livro de Sóror Saudade, Charneca em Flor, Reliquiae), Coimbra, Livraria Gonçalves, 1934.

* Cartas de Florbela Espanca, Lisboa, Edição dos Autores, s/d, prefácio de Azinhal Abelho e José Emídio Amaro(1949).

* Diário do último ano, Lisboa, Bertrand, 1981, prefácio de Natália Correia.

* O Dominó Preto, Lisboa, Bertrand, 1982, prefácio de Y. K. Centeno.

* Obras Completas de Florbela Espanca, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1985-1986, 08 vols., edição de Rui Guedes.

* Trocando Olhares, Lisboa, Imprensa Nacional/ Casa da Moeda, 1994; estudo introdutório, estabelecimento de textos e notas de Maria Lúcia Dal Farra.







     "Florbela", de Vicente Alves do Ó, ultrapassou a barreira dos 40 mil espectadores. Este feito foi anunciado pela Ukbar Filmes, através da sua página do Facebook, que aproveitou a ocasião para realçar o facto de "Florbela" ainda estar em circuito comercial, nomeadamente no Cinema City Alvalade. Este resultado sonoro promete não ficar por aqui, visto que o filme ainda continua o seu percurso em tournée com debates com o realizador e elenco pelo país, uma iniciativa que tem sido bem sucedida e marcada por salas cheias. 
[...] o filme apresenta uma rara beleza, mesclando um argumento interessante, excelentes interpretações e um trabalho muito seguro de Vicente Alves do Ó, que envolvem o espectador numa obra cinematográfica apaixonante. A aderência do público apenas vem confirmar a qualidade do projeto e o excelente trabalho que tem vindo a ser feito a nível da divulgação do filme, sendo notório o esforço de todos os envolvidos em procurarem chegar o mais próximo possível do público e a terem orgulho em mostrar o seu trabalho.



FANATISMO

                                   Florberla Espanca

Minh' alma, de sonhar-te, anda perdida
Meus olhos andam cegos de te ver
Não és sequer a razão do meu viver
pois que tu és já toda minha vida
Não vejo nada assim enlouquecida...
Passo no mundo, meu amor, a ler
No misterioso livro do teu ser
A mesma história, tantas vezes lida!
"Tudo no mundo é frágil, tudo passa..."
Quando me dizem isto, toda a graça
Duma boca divina, fala em mim!
E, olhos postos em ti, digo de rastros:
"Ah! podem voar mundos, morrer astros,
Que tu és como um deus: princípio e fim!...



quarta-feira, 26 de setembro de 2012

OS “EUS” DE FERNANDO PESSOA: ALBERTO CAIEIRO, RICARDO REIS E ÁLVARO DE CAMPOS


Por: Valéria Queiroz Menezes

“[...] construí dentro de mim várias personagens distintas entre si e de mim, personagens essas a que atribuí poemas vários que não são como eu, nos meus sentimentos e idéias, os escreveria”.
(Fernando Pessoa)


RESUMO

Propõe-se ao longo desse trabalho investigar, identificar e destacar quais as especificidades estéticas presentes nas poesias Passagens das horas, Eu nunca guardei rebanhos e Para ser grande ser inteiro, ambas de autoria dos principais heterônimos de Fernando Pessoa, respectivamente Álvaro de Campos, Alberto Caeiro e Ricardo Reis; definir o conceito de heteronímia, bem como, situar a obra de Pessoa no período literário que se insere - o Modernismo; apresentar também as características desses heterônimos, como metodologia de análise das poesias e para a montagem de uma sequência didática para aplicação na disciplina Literatura.

Palavras-chave: Literatura, Fernando Pessoa, heterônimos.


Resumen

Proponerse en este trabajo investigar, identificar y destacar cuales son las especificidades estéticas presentes en las poesías Passagens das horas, Eu nunca guardei rebanhos y Para ser grande ser inteiro, ambas de autoría de los principales heterónimos de Fernando Pessoa, respectivamente  Álvaro de Campos, Alberto Caeiro y Ricardo Reis; definir el concepto de heteronimia, también, situar la obra de Pessoa en el periodo literario que  se insiere – el Modernismo;  presentar también las características  de eses heterónimos como metodología de analice de las poesías  para montaje de una secuencia didáctica para aplicación en la disciplina Literatura.

Palabras – clave: Literatura, Fernando Pessoa, heterônimos.


A leitura é uma atividade importante para a vida no homem em sociedade, por isso têm surgido muitas discussões em torno da sua relevância para a formação de leitores e cidadãos críticos. A leitura possibilita ao homem a inserção e participação no meio social e não está limitada apenas no âmbito escolar, mas deve ser uma prática social.  O aprendizado da leitura é uma tarefa contínua e permanente, que é enriquecida com novas habilidades, à medida que compreendemos textos escritos mais complexos. Lista (1996, p. 10) afirma que a “verdadeira leitura só é possível quando se tem um conhecimento prévio”, pois não lemos “apenas a palavra escrita, mas também o próprio mundo que nos cerca”. O sentido de um texto não está em si mesmo, sofre influências do conhecimento de mundo de que o leitor dispõe, assim, à proporção que vai lendo, vai antecipando e inferindo sobre o conteúdo. O interesse pela leitura pode estar relacionado ao texto, oriundo de uma necessidade seja ela informativa ou recreativa. Assim, a compreensão perpassa por um processo estratégico individual. É evidente que a importância da leitura no universo do aluno, abrange questões muito mais profundas, porque deve ser vista como uma das conquistas do homem no seu processo evolutivo. Nesse sentido, significa que toda sociedade, nas suas diferentes etapas evolutivas, produz uma memória cultural e que a leitura vem a ser um dos instrumentos para o conhecimento. É nessa perspectiva, que elaboramos uma proposta para trabalhar com o grande autor Português Fernando Pessoa, a partir de estudos e analise sobre o processo da heteronímia. O trabalho tem como objetivo geral levar a conhecer as características temáticas, estilística dos heterônimos: Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos e relacionar com o período estético literário do Modernismo Português. E como objetivos específicos: Analisar o fenômeno da heteronímia; investigar as diferenças e semelhanças que há entre a produção de Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos, ambos heterônimos de Fernando Pessoa; verificar os traços marcantes da poesia do autor e sua relação com os sentimentos da contemporaneidade e aplicar os conhecimentos em uma sequência didática no Programa Universidade para Todos, no sentido de preencher lacunas deixadas ao longo da vida escolar do aluno, que inviabiliza o conhecimento mais profundo da obra desse grande autor.
A escolha do autor se deu pela relevância da sua obra, além disso, Pessoa possui um estilo ímpar na literatura, revolucionou inteiramente o ambiente literário português, no início do século XX que estava carente de escritores que dessem continuidade à glória de grandes autores como Antero de Quental e Eça de Queirós, isto porque cria não somente outros escritores – os heterônimos – mas também apresenta estilos diferentes de escrita, fenômeno totalmente inédito, naquela época, em Portugal.  Nesse sentido, pensava o mundo noutra perspectiva: ele cria novas personagens para que esse mundo seja lido de maneiras diferentes. Trabalhar sua obra é buscar incessantemente o filósofo por trás do escritor. Assim, esse trabalho tem, pois, o objetivo de identificar as diferenças e similitudes dos principais autores criados por esse autor português – seus heterônimos: Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos, posto que, sua obra joga com a pluralidade de representações e de sentidos para uma visão mais poética do mundo: expressam muito mais que um plano estético remete uma configuração arquetípica e mítica.
                   Pessoa, em seus outros “eus” produz uma imagem do mundo em diversos olhares: a de um pastor de ovelhas, Alberto Caeiro, cuja vida representava o sentir; Ricardo Reis, discípulo de Caeiro, procura atingir o equilíbrio e a paz sem sofrer, através da autodisciplina e Álvaro de Campos, que aprende com Caeiro a urgência de sentir. Campos é visto por Pessoa como vanguardista e cosmopolita, seus poemas exaltam não somente o tom futurista a civilização moderna como também os valores do progresso. Nessa perspectiva, o poeta faz nascer dentre outros três diferentes personagens para expressar suas diversas formas de pensar o mundo, e apresenta como cada um possui sua própria ótica. Portanto, estudar Pessoa é estudar a diversidade de sentimentos e de emoções em relação à vida e ao mundo, visto ser ele o autor dos casos mais complexos e estranhos, senão único, dentro da Literatura Portuguesa. Passado mais de trinta anos da sua morte, a obra de Fernando Pessoa ainda intriga os estudiosos porque além de possuir pontos de comunhão com as obras de Camões, Bocage, Antero, João de Deus, Cesário Verde, Camilo Peçanha, etc., se apresenta carregada de densa problemática, enriquecendo a velha herança recebida de tal modo que alcançou um feito semelhante ao de Camões que acabou recebendo o epíteto camoniano. É pela singularidade desse autor, que multiplicou sua voz poética em outras vozes diferentes dentro do mundo imaginário da Literatura, se faz de extrema relevância que se faça a análise desses heterônomos juntamente com os alunos do Programa Universidade para Todos viabilizando um maior aprofundamento do conhecimento prévio destes.
Partiremos da hipótese que o conhecimento das especificidades da poesia heteronímica de Fernando Pessoa pode favorecer o entendimento a cerca de sua obra e das características do Modernismo Português bem como ampliar o universo literário dos alunos.
    Para o desenvolvimento deste trabalho, a metodologia conta a princípio com a pesquisa bibliográfica de autores que nos dão suporte para a análise e compreensão desta proposta. Como trata de um autor de grande relevância na literatura poética, importa para nós, buscar além das obras, análises a respeito de suas características situá-lo no espaço temporal, mas principalmente pautar a pesquisa pelo fenômeno heteronímico. Essa temática requer um estudo aprofundado a respeito dos seus autores e a vinculação destes ao ortônimo Fernando Pessoa, o seu criador.
   Para o desenvolvimento dessa etapa a metodologia será a leitura e análise dos poemas: Passagem das horas, de Álvaro de Campos; O Guardador de rebanhos, de Alberto Caeiro e Para ser grande sê inteiro, de Ricardo Reis.
  Feita a seleção bibliográfica de autores que respaldem nossa hipótese, faz-se necessária a seleção do corpus e em seguida análise comparativa de textos dos referidos heterônimos. Por fim a elaboração de uma sequência didática para apresentar o autor, suas especificidades estéticas, definir o conceito de heteronímia, bem como situar a obra no período literário em que está inserida: Modernismo.
   Heterônomo é um nome fictício adotado por um autor na assinatura de uma obra que possui uma personalidade própria e uma obra distinta do seu próprio criador. Não deve ser confundido com pseudônimo. Segundo Fernando Pessoa (Tábua Bibliográfica, Presença, nº 17)
A obra pseudônima é do autor em sua pessoa, salvo no nome que assina; a heterônima é do autor fora da sua pessoa; é duma individualidade completa fabricada por ele, como seriam os dizeres de qualquer personagem de qualquer drama seu.
            Pessoa criou inúmeras personalidades literárias para além da sua, cada um deles possui sua própria biografia, sua temática poética e seu estilo. É como se seus eus fragmentados e múltiplos explodissem dentro do artista, gerando poesias totalmente diversas. Os heterônimos se originam, segundo o próprio autor, da sua tendência para a constante despersonificação e simulação. Trata-se de um processo de desdobramento premeditado da personalidade como um meio de criação de um novo autor, com nova identidade estilística, ideológica, cultural, etc.
            Dentre as personagens heteronímicas criadas por Pessoa, Caeiro é considerado mestre de todas elas, ele assume, em sua raiz, o problema da irreversível separação entre a palavra e o mundo, entre o verbo e o homem, determinando a impossibilidade total de conhecimento da realidade.

 Nasceu em Lisboa, mas viveu quase toda a sua vida no campo. Não teve profissão, nem educação quase alguma, só instrução primária; morreram-lhe cedo o pai e a mãe, e deixou-se ficar em casa, vivendo de uns pequenos rendimentos. Vivia com uma tia velha, tia avó. Morreu tuberculoso.

Pessoa cria uma biografia para Caeiro que se encaixa com perfeição à sua poesia, como podemos observar no “O Guardador de Rebanhos”, que Segundo Pessoa, foi escritos na noite de oito de março de 1914, de um só fôlego, sem interrupções. Esse processo criativo espontâneo traduz exatamente a busca fundamental de Alberto Caeiro: completa  naturalidade. Nasceu em Lisboa, em abril de 1889, e faleceu de tuberculose e, 1915 na mesma cidade. Viveu grande parte da sua vida numa quinta no Ribatejo aonde viria a conhecer Álvaro de Campos. A sua educação cingiu-se à instrução primária, o que combina simplicidade e naturalidade de que ele próprio se reclama. Louro, de olhos azuis, estatura média, um pouco mais baixo que Ricardo Reis. Morreu precocemente (tuberculoso), em 1915. A vida foram seus poemas, aparece a Fernando Pessoa no dia 08 de março de 1914, de forma não planeada. Teve dois discípulos: Ricardo Reis e Álvaro Campos.  Poeta da simplicidade completa e clareza total. É o homem da calma absoluta perante o não-sentido da realidade. “Há metafísica bastante em não pensar em nada [...] O único sentido íntimo das coisas. É elas não terem sentido íntimo nenhum”. Caeiro escreve com a linguagem simples e o vocabulário limitado de um poeta camponês pouco ilustrado. Pratica o realismo sensorial, numa atitude de rejeição a poesia simbolista. Alberto Caeiro apresenta-se como um simples “guardador de rebanhos” que só vê de forma objetiva e natural a realidade. O Mundo é visto sem necessidade de explicações, sem princípios nem fim e por isso acredita na “eterna novidade do mundo”. Recusa o pensamento metafísico Insistindo naquilo a que chama “aprendizagem de desaprender” isto é, aprender a não pensar, para se libertar de todos os modelos ideológicos, culturais ou outros, e poder ver a realidade concreta. O pensamento, segundo Caeiro gera a infelicidade porque deturpa o significado das coisas que existem, “pensar incomodo como andar à chuva quando o vento cresce e parece que chove mais”. Opõe a metafísica o desejo de não pensar. Faz da oposição à reflexão a matéria básica das suas reflexões, “Metafísica? Que metafísica têm aquelas árvores?” Relação direta entre sujeito poético e a natureza que revela-nos um ser em paz, reconciliado consigo e com o mundo. Melhor interpretou o Sensacionalismo. Só lhe interessa vivenciar o mundo que capta pelas sensações – realismo sensorial. O único sentido oculto das coisas fica reduzido à própria percepção: cor, forma e existência. Representou a reconstrução integral do paganismo.
Num meio-dia de fim de primavera
Tive um sonho como uma fotografia.
Vi Jesus Cristo descer à terra.
Veio pela encosta de um monte
Tornado outra vez menino,
A correr e a rolar-se pela erva
E a arrancar flores para as deitar fora
E a rir de modo a ouvir-se de longe.

      No fragmento acima o paganismo de Caeiro intensifica-se. Observe que Cristo é destituído de santidade, ou seja, é visto como uma criança normal: brincalhona, alegre e levada.
Caeiro coloca-se, como inimigo do misticismo. Opõe a metafísica o desejo de não pensar. Faz da oposição à reflexão a matéria básica das suas reflexões.  Aparente simplicidade: linguagem corrente e construções causais. Plano formal: Linguagem simples, léxico objetivo, adjetivação quase ausente; paralelismo, assíndetos1, predominância das formas verbais no presente do indicativo. Plano fônico: ritmo lento; alternância entre sons nasais e vogais abertas e semi-abertas; ausência de rima.

1ausência da conjunção coordenativa a ligar grupos de palavras ou orações coordenadas.

Os principais temas da obra de Caeiro são: Panteísmo sensual (Panteísmo: doutrina segundo a qual Deus não é um ser pessoal distinto do mundo: Deus e o mundo seriam uma só substancia); deambulismo (vida errante), misticismo naturalista (amor pelas coisas em si mesmas), recusa do pensamento, combate à introspecção e à subjetividade; objetivismo absoluto, integração e comunhão com a natureza; vivencia do presente, gozando em cada impressão o seu conteúdo original (epicurismo); crença na eterna novidade das coisas e das idéias; a criança como símbolo supremo da vida; sensacionalismo: preferência pelas sensações visuais e auditivas e paganismo.         
Embora herdeiro da sensibilidade objetiva de seu mestre Ricardo Reis não está empenhado, como aquele, em objetivar sua linguagem, mas em expor e vivenciar poeticamente os preceitos básicos da filosofia pagã. Poeta da simplicidade completa e clareza total. É o homem da calma absoluta perante o não-sentido da realidade Opõe a metafísica o desejo de não pensar. Faz da oposição à reflexão a matéria básica das suas reflexões. “Há metafísica bastante em não pensar em nada [...] O único sentido íntimo das coisas. É elas não terem sentido íntimo nenhum”. Nasceu em Porto, no dia 19 de setembro de 1887; recebeu uma forte educação clássica num colégio de jesuítas; formou-se em medicina, profissão que exerceu; mudou-se para o Brasil em 1919, pois se expatriou espontaneamente; não se sabe ao certo o ano de sua morte. Segundo Pessoa, “Ricardo Reis é um pouco, mas muito pouco, mais baixo, mais forte, mais seco (que Caeiro).Cara rapada (... ) de um vaga moreno mate.”  
Em 1924 foram publicadas suas primeiras obras na revista Athena, fundada por Fernando Pessoa; entre 1927 e 1930 foram publicados oito odes na revista Presença, de Coimbra. Discípulo de Caeiro admira a calma e a serenidade com que o mestre encara a vida. Reis procura  atingir o equilíbrio e a paz sem sofrer, através da autodisciplina e das seguintes doutrinas gregas. Adepto ao Epicurismo e ao Estoicismo, não teme a morte; procura os simples prazeres da vida em todos os sentidos, sem preocupações com o futuro (carpe diem) e foge da dor. Tem como ideal ético a apatia; acredita que para alcançar a felicidade é preciso: dominar as paixões e aceitar a ordem universal das coisas, incluindo a morte. Ricardo Reis é o heterônimo mais clássico de Fernando Pessoa. Seu estilo poético faz muitas alusões à mitologia com uma linguagem culta e precisa. Seus poemas são metrificados e apresentam uma sintaxe rebuscada. Seus poemas são odes, poemas líricos de tom alegre e entusiásticos, tendo estrofes regulares e variáveis. “Pus em Ricardo Reis a minha disciplina vestida da música que lhe é própria. Reis escreve melhor do que eu, mas com um purismo que considero exagerado.“ (Fernando Pessoa). Reis recorre sempre aos deuses da mitologia grega, para ele os deuses estão acima de tudo. Dono de um paganismo de caráter erudito, Reis acredita que Cristo é apenas mais um deus, nem superior e nem inferior. Porém, os cristãos querem colocá-lo acima dos outros deuses.

NÃO A TI, Cristo, odeio ou menosprezo
Que aos outros deuses que te precederam
Na memória dos homens.
Nem mais nem menos és, mas outro deus ...”
(fragmento NÃO A TI, CRISTO,ODEIO...)

Álvaro de Campos (1890 - 1935) é um dos mais conhecidos heterônimos de Fernando Pessoa. Foi descrito biograficamente por Pessoa: "Nasceu em Tavira, teve uma educação vulgar de Liceu; depois foi mandado para a Escócia estudar engenharia, primeiro mecânica e depois naval. Numas férias fez a viagem ao Oriente de onde resultou o Opiário. Agora está aqui em Lisboa em inactividade”. Usa monóculo; é alto (1.75 m); magro, cabelo liso apartado ao lado e tem a cara rapada, tipo judeu português. Segundo Fernando Pessoa, esse heterônimo surge quando sente “um impulso para escrever”. Campos é o extremo oposto de Ricardo Reis e  discípulo  de Caeiro. Campos é o filho indisciplinado da sensação e para ele a sensação é tudo. Aprende com Caeiro a urgência de sentir, é visto por Pessoa como vanguardista e cosmopolita; seus poemas exaltam em tom futurista a civilização moderna e os valores do progresso.
Os traços poéticos de Álvaro de Campos: poeta modernista; sensacionista (odes); cantor das cidades e do cosmopolitanismo (“Ode Triunfal”); cantor da vida marítima em todas as suas dimensões (“Ode Marítima”). Cultua as sensações sem limite, é o poeta do verso torrencial e livre em que o tema do cansaço se torna fulcral; defensor da condição humana partilhada entre o nada da realidade e o tudo dos sonhos (“Tabacaria”); observador do cotidiano da cidade através do seu desencanto e poeta da angústia existencial e da auto-ironia.
A primeira fase da sua produção poética é tem por característica o decandentismo: exprime o tédio, o enfado, o cansaço, a náusea, o abatimento e a necessidade de novas sensações; traduz a falta de um sentido para a vida e a necessidade de fuga à monotonia; marcado pelo romantismo e simbolismo (rebuscamento, preciosismo, símbolos e imagens); abulia, tédio de viver; procura de sensações novas; busca de evasão; único poema dessa fase: Opiário.
A segunda fase de sua produção poética é caracterizada pelo futurismo sensacionalista as quais possui os seguintes traços: elogio da civilização industrial e da técnica; ruptura com o subjetivismo da lírica tradicional; atitude escandalosa: transgressão da moral estabelecida. Na poesia de Campos é nítido o sensacionismo, vivência em excesso das sensações (“Sentir tudo de todas as maneiras” – afastamento de Caeiro); sadismo e masoquismo (“Rasgar-me todo, abrir-me completamente,/ tornar-me passento/ A todos os perfumes de óleos e calores e carvões...”, Ode Triunfal); cantor lúcido do mundo moderno.
O pessimismo também é uma marca na obra de Álvaro Campos, caracterizada pelo sono, cansaço, desilusão, revolta, inadaptação, dispersão, angústia, desânimo e frustração; dissolução do “eu”; a dor de pensar; conflito entre a realidade  e o poeta; cansaço, tédio, abulia; angústia existencial; solidão; nostalgia da infância irremediavelmente perdida (“Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!”, Aniversário) face á incapacidade das realizações, sente-se abatido, vazio, um marginal, um incompreendido; frustração total: incapacidade de unificar em si pensamento e sentimento; e mundo exterior e interior.
Sua poesia possui os seguintes traços estilísticos: Verso livre, em geral, muito longo; assonâncias, onomatopéias (por vezes ousadas), aliterações (por vezes ousadas); grafismos expressivos; mistura de níveis de língua; enumerações excessivas, exclamações, interjeições, pontuação emotiva; desvios sintáticos; estrangeirismos, neologismos; subordinação de fonemas; construções nominais, infinitivas e no gerúndio; metáforas ousadas, personificações, hipérboles estética não aristotélica na fase futurista.
O movimento artístico denominado Modernismo, em Portugal, iniciou em 1910, numa época de instabilidade política, em que o país mudava seu regime político de monarquia para república. Porém, o ponto culminante do início desse movimento deu-se em 1915, com a publicação da revista Orfeu, que tinha entre seus escritores Mário de Sá Carneiro, Fernando Pessoa Luís de Montalvor, Almada Negueiros e até o brasileiro Ronald de Carvalho, todos com o objetivo de revolucionar e de atualizar a cultura portuguesa no cenário europeu. Assim como o Modernismo brasileiro, principalmente no âmbito da literatura, surge com uma poesia provocadora, irritante, e tinha como objetivo desestabilizar a ordem política, social e econômica da época, além de ser uma reação contra o inconformismo, o desejo de romper com o passado, e influenciada pela efervescência cultural européia. Assim como no modernismo brasileiro, o manifesto futurista pregava a destruição da sintaxe, o uso de símbolos matemáticos musicais e o menosprezo por adjetivos, advérbios e pontuação. Possuiu três fases distintas: A primeira fase, denominada orfeísmo, foi composta pelos escritores responsáveis pela revista Orpheu, e por trazer Portugal de volta às discussões culturais na Europa; a segunda fase, o presencismo, integrado por aqueles que ficaram fora da revista Orfeu, buscavam aprofundar a discussão sobre a teoria da literatura e sobre novas formas de expressão artística sem romper com as idéias da geração anterior e a terceira fase, a neo-realista, combateu diretamente o fascismo, defendeu uma literatura crítica que estivesse a serviço da sociedade, extremamente próxima a proposta do realismo brasileiro. Foi da primeira fase que participou um dos maiores poetas da história de Portugal, Fernando pessoa, o que melhor soube apresentar em versos os íntimos da contradição de ser humano.

Após discorrer sobre o processo de heteronímia, as características temáticas, estilísticas dos principais heterônimos de Pessoa, bem como se deu o surgimento  do Modernismo Português e suas especificidades, é pertinente que se faça uma análise possível das poesias: O Guardador de rebanhos (parte I) de Caeiro, Passagem das Horas de Álvaro de Campos  e  Para ser grande ser inteiro de Ricardo Reis. 

O Guardador de rebanhos
(Alberto Caeiro, 1911-1912)

       I
Eu nunca guardei rebanhos,
Mas é como se os guardasse.
Minha alma é como um pastor,
Conhece o vento e o sol
E anda pela mão das Estações
A seguir e a olhar.
Toda a paz da Natureza sem gente
Vem sentar-se a meu lado.
Mas eu fico triste como um pôr do Sol
Para a nossa imaginação,
Quando esfria no fundo da planície
É se sente a noite entrada
Como uma borboleta pela janela.
Mas a minha tristeza é sossego
Porque é natural e justa
E é o que deve estar na alma
Quando já pensa que existe
E as mãos colhem flores sem ela dar por isso.
Como um ruído de chocalhos
Para além da curva da estrada,
Os meus pensamentos são contentes.
Só tenho pena de saber que eles são contentes,
Porque, se o não soubesse,
Em vez de serem contentes e tristes,
Seriam alegres e contentes.
Pensar incomoda como andar à chuva
Quando o vento cresce e parece que chove mais.
Não tenho ambições nem desejos
Ser poeta não é uma ambição minha
É a minha maneira de estar sozinho.
E se desejo às vezes
Por imaginar, ser cordeirinho
(Ou ser o rebanho todo
Para andar espalhado por toda a encosta
A ser muita cousa feliz ao mesmo tempo),
É só porque sinto o que escrevo ao pôr do Sol,
Ou quando uma nuvem passa a mão por cima da luz
E corre um silêncio pela erva fora.
Quando me sento a escrever versos
Ou, passeando pelos caminhos ou pelos atalhos,
Escrevo versos num papel que está no meu pensamento,
Sinto um cajado nas mãos
E vejo um recorte de mim
No cimo dum outeiro,
Olhando para o meu rebanho e vendo as minhas ideias,
Ou olhando para as minhas ideias e vendo o meu rebanho,
E sorrindo vagamente como quem não compreende o que se diz
E quer fingir que compreende.
Saúdo todos os que me lerem,
Tirando-lhes o chapéu largo
Quando me veem à minha porta
Mal a diligência levanta no cimo do outeiro.
Saúdo-os e desejo-lhes sol,
E chuva, quando a chuva é precisa,
E que as suas casas tenham
Ao pé duma janela aberta
Uma cadeira predilecta
Onde se sentem, lendo os meus versos.
E ao lerem os meus versos pensem
Que sou qualquer cousa natural —
Por exemplo, a árvore antiga
À sombra da qual quando crianças
Se sentavam com um baque, cansados de brincar,
E limpavam o suor da testa quente
Com a manga do bibe riscado.

Após conhecer as características da poesia de Caeiro, o aluno deverá seguir as seguintes etapas de leitura: A decodificação, leitura superficial; anotar as palavras desconhecidas para melhor conceituá-las; compreensão, discussão coletiva e primeiras impressões sobre a poesia, ele deverá buscar as respostas no próprio texto através das pistas contidas nele e por último fazer analogia e comparações estabelecendo um paralelo com as características da obra do autor estudado.
O aluno deverá perceber que o poeta, compara-se a um pastor que anda pelos campos a guardar rebanhos e que seus rebanhos são seus pensamentos. O sujeito poético identifica-se bastante com a natureza, pois anda ao ritmo das estações, compara os seus estados de espírito com momentos de natureza. Além disso, deve identificar o desejo de abolir a consciência, refutando o vicio de pensar e lamentando o fato de ter consciência dos seus pensamentos, enunciando o ato de sentir em detrimento ao pensar. O poema situa-nos desde o início nos domínios da metáfora: o pastor-poeta, o rebanho-ideias, o papel-pensamento.
Em seguida, apresentar trecho da poesia Passagem das horas, de Álvaro de Campos. Seguindo as mesmas etapas de leitura proposta anteriormente.

Passagem das horas
(Álvaro de Campos)
Trago dentro do meu coração,
Como num cofre que se não pode fechar de cheio,
Todos os lugares onde estive,
Todos os portos a que cheguei,
Todas as paisagens que vi através de janelas ou vigias,
Ou de tombadilhos, sonhando,
E tudo isso, que é tanto, é pouco para o que eu quero.
A entrada de Singapura, manhã subindo, cor verde,
O coral das Maldivas em passagem cálida,
Macau à uma hora da noite... Acordo de repente...
Yat-lô--ô-ôôô-ô-ô-ô-ô-ô-ô...Ghi-...
E aquilo soa-me do fundo de uma outra realidade...
A estatura norte-africana quase de Zanzibar ao sol...
Dar-es-Salaam (a saída é difícil)...
Majunga, Nossi-Bé, verduras de Madagascar...
Tempestades em torno ao Guardafui...
E o Cabo da Boa Esperança nítido ao sol da madrugada...
E a Cidade do Cabo com a Montanha da Mesa ao fundo...
Viajei por mais terras do que aquelas em que toquei...
Vi mais paisagens do que aquelas em que pus os olhos...
Experimentei mais sensações do que todas as sensações que senti,
Porque, por mais que sentisse, sempre me faltou que sentir
E a vida sempre me doeu, sempre foi pouco, e eu infeliz.
A certos momentos do dia recordo tudo isto e apavoro-me,
Penso em que é que me ficará desta vida aos bocados, deste auge,
Desta entrada às curvas, deste automóvel à beira da estrada, deste aviso,
Desta turbulência tranqüila de sensações desencontradas,
Desta transfusão, desta insubsistência, desta convergência iriada,
Deste desassossego no fundo de todos os cálices,
Desta angústia no fundo de todos os prazeres,
Desta sociedade antecipada na asa de todas as chávenas,
Deste jogo de cartas fastiento entre o Cabo da Boa Esperança e as Canárias.
Não sei se a vida é pouco ou demais para mim.
Não sei se sinto de mais ou de menos, não sei
Se me falta escrúpulo espiritual, ponto-de-apoio na inteligência,
Consangüinidade com o mistério das coisas, choque
Aos contatos, sangue sob golpes, estremeção aos ruídos,
Ou se há outra significação para isto mais cômoda e feliz.

Seja o que for, era melhor não ter nascido,
Porque, de tão interessante que é a todos os momentos,
A vida chega a doer, a enjoar, a cortar, a roçar, a ranger,
A dar vontade de dar gritos, de dar pulos, de ficar no chão, de sair
Para fora de todas as casas, de todas as lógicas e de todas as sacadas,
E ir ser selvagem para a morte entre árvores e esquecimentos,
Entre tombos, e perigos e ausência de amanhãs,
E tudo isto devia ser qualquer outra coisa mais parecida com o que eu penso,
Com o que eu penso ou sinto, que eu nem sei qual é, ó vida.

Cruzo os braços sobre a mesa, ponho a cabeça sobre os braços,
É preciso querer chorar, mas não sei ir buscar as lágrimas...
Por mais que me esforce por ter uma grande pena de mim, não choro,
Tenho a alma rachada sob o indicador curvo que lhe toca...
Que há de ser de mim? Que há de ser de mim?

            O aluno deverá perceber o poema Passagem das horas, pertence a fase sensacionalista do autor, em que questiona suas angústias, desejos, pensamentos e lembranças que permeiam o ser humano em toda a sua existência. O eu-lírico mergulha numa viagem a seu próprio interior na busca do auto-conhecimento, redescobrindo a vida, a morte e o recomeço. A questão da identidade e da representação do tempo perpassa por um imaginário utópico. O tempo é compreendido como se a realidade pudesse ganhar sentido deslocando-se de um presente para o outro, o passado não existe porque há a movimentação dos seres e dos objetos. Passagem das horas possui o lema do sensacionalismo, sem implicação do tempo num só momento.
            Encerramos a sequência didática apresentando o poema Para ser grande ser inteiro de Ricardo Reis, propondo as etapas de leitura do início.

Para ser grande, sê inteiro
        (Ricardo Reis)
Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa.
Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.

Ricardo Reis entre os heterónimos de Pessoa é o que prega ensinamentos nobres influenciado pela herança clássica do homem desde os gregos e romanos. Assim como Caeiro, aceita a vida sem pensar, porém senti em si a opressão da natureza e da vida e ressente-se com ela isso ocasiona em si um sofrimento de perda. Reis confia em deuses à maneira dos clássicos, em que os deuses exprimem a desconfiança nos homens. O aluno deve perceber o paradoxo que perpassa o poema. Ao mesmo tempo em que Reis se defende não haver fé em que o homem seja inteiro por outro lado afirma que não sejamos inteiros numa fé sem causa. Na filosofia de Reis o homem deverá encontrar nobreza no seu sofrimento, aceitando a dor da vida de maneira inteira, mesmo que não seja inteiro em sua fé. Nesse sentido, deve ser forte em ser inteiro na realidade. Nessa aceitação da dor o homem pode abdicar de tudo menos de si próprio. O que deve ser excluído da vida são as ilusões porque o leva a humilhação, como a religião e o amor.
Compreendemos que o desenvolvimento da prática leitora deve está fundamentado nas reais necessidades dos alunos e cabe ao professor viabilizar condições para um ensino interativo. Para atingir esse objetivo, é necessário, antes de tudo, que a proposta supere o tradicionalismo, em outras palavras, é preciso que os professores busquem estratégias que viabilizem o gosto pela leitura, bem como motivar os alunos a buscar suas próprias significações a partir do texto literário. Nessa perspectiva, estabelecer metas para leituras considerando os conhecimentos prévios. Por fim ratificamos a necessidade de uma prática em que o ato de ler se torne para os alunos uma prática significante e uma motivação para outras leituras, bem como, um recurso para a formação de leitores conscientes, criativos que seja capaz de compreender, analisar e atuar mais efetivamente na sociedade.


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